segunda-feira, 9 de junho de 2008

Corra, Lola, Corra - 4º Final

GLOSSÁRIO:
Trívias = Ações rotineiras
Adianto = O mais efetivo

Onze e vinte e nove vira o ponteiro, onze e meia agora, no escuro da sala é ouvido o estridente chamado do telefone, recebeu uma ligação, era seu namorado clamando socorro, o distraído trocou sem intenção a sacola entupida de grana com a de um mendigo, perdendo 100 mil marcos de uma missão a ele encubida: -“Socorro! Ajude-me!” – clamava o condenado em uma última ligação desesperada: -“Preciso de 100 mil até meio dia do dia de hoje, eles virão, matarão-me sem dó e pena, me ajude!, Estou em frente ao Burger King, ‘Corra, Lola, Corra!’.
A namorada, prestativa e ruiva de corpo esguio, apressou as pernas e deu com a porta abrindo-a com velocidade e vontade, chutando com gosto um cachorro intrometido latindo a sua pressa ao descer a escadaria. Cruzando a porta de saída comprimiu os olhos dada a luz solar intensa em sua face, anunciando o dia belo que estava perdendo no breu de seu apartamento, não parou, correu, correu e correu, como nunca correra antes em busca de uma vontade ou liberdade.

De dentro da cabina era alto o som das teclas batidas pelas mãos nervosas, seu suor saía frio de cada esporo de seu rosto pálido enquanto ele conjecturaa um modo de recuperar o capital, para o seu bem, somente para o seu bem estar físico. O atrapalhado via através da janea de vidro o cotidiano de pessoas normais, 'trívias'* de cada uma daquelas vidas, andando de maletas, apressadas, pensando no trabalho, nos filhos, na rotina ingrata de cada uma dessas almas penadas. Many – a vítima de sua própria distração, o homem devedor, funcionário da missão – queria ser no momento uma dessas pessoas, com rotinas normais, rotineiras passageiras da vida, de trabalho e honestidade, mas não pensara mais nisso, recordara de alguns estabelecimentos úteis para roubo, porém, não via mais tempo e saída, estava totalmente fadado a morte, engulindo a seco seu temor e pranto.
Continuou teclando as teclas a espera de uma resposta milagrosa, uma dádiva de idéia que salvaria sua jovem tez. Tec tec, tec tec, para que bater as teclas? É de mais 'adianto'* o pensar! Mas fazia-o, e fazia-o bem, porém, não o suficiente. Enquanto o tempo corria e o telefone sofria, transeúntes necessitados de comunicação pública batiam à porta a espera do telefone, bem do povo e patrimônio público, contudo, não lhes era cedido este recurso, não enquanto um bandido armado e pálido de preocupação dominava o setor e se reservava aquele aconchego da cabina. Para o bem dos incansáveis comunicadores, o rapaz bateu as teclas uma última vez, só que desta vez com um largo sorriso branco estampado na face, olhou prum lado, olhou pro outro, e dobrou suas bochechas apertando os olhos num riso de felicidade... Ou seria de insanidade?

Corre, corre, aperta o passo que o tempo não pára de passar, e lola, agora em um tom uno de vermelho do cabelo ao rosto, sabia da necessidade com que urgia a grana, por isso, não se intimidava por obstáculos quaisquer que atravessassem sua fronte, derrubou gente, bicicletas, sacolas e até mesmo um bebê guiado em seu carrinho por uma vaca míope. Todavia, uma única cousa somente chamou-he a atenção e pregou seus passos em um curto espaço de tempo: uma pasta preta, preta com hastes e contornos dourados, brilhando feito lava em plena ebulição, seu couro era tão preto quanto a Limousine que a guardava, pretíssimo como o terno dos seis engravatados risonhos e armados que continham no carro de luxo, descontando o motorista, também de preto. Ela fitou bem o automóvel parado no farol e com um só golpe duro e presto estilhaçou a vidraça da porta esquerda do automóvel, causando um grande susto, um grande corte na mão direita da ladra, e por fim, uma grande perda aos “Carlitos” que tentaram à toa agarrá-la.
Agora, com aquela curiosa pasta preta na mão e seis corredores armados correndo em sua busca, os 400 metros rasos da moça tornaram-se mais complicados e emocionantes, deixando-a cega de sensatez. Em um irônico coro uníssono e grave ela ouvia à sua traseira os engravatados gritando: -“pega ladrão!!” num ofegante grito de misericórdia e implorando auxílio, o único que encontraram – ou que encontrou o problema – foi a de um policial eficiente mas mal-sucedido em sua arbitragem, que mandou parar a corrida com os braços esticados e retos dedos apontando todos o céu, o berro do apito em seus lábios foi inútil. A donzela corrupiou pelo guarda e ‘inda por cima surrupiou seu calibre 38 que estava à mostra e inseguro em sua veste própria. Não bastava apenas seis machos seguindo-a, ela aspirava mais um, e o teve. Seis engravatados e um policial desacatado e desarmado batendo pernas em sua busca, presa difícil e rápida. A namorada não desistia nunca e nem desistiria, faltavam apenas dez minutos para o meio do dia e ela já havia corrido por dez. Uma lágrima correu por entre seu olho e queixo, vindo a cair em sua pasta enquanto respirava afobada pulando calçadas defeituosas, arrombadas pelas raízes das árvores.


Com o telefone no gancho e as teclas sãs, o devedor apanha os seus objetos e coragem, largando o temor na cabina, a espera de um próximo mafioso ou um servidor tenso, ou quem sabe ainda, um jovem namorado infiél com uma amante barraqueira. Abriu a porta vermelha depressa, saindo com um olhar firme e determinado para a calçada ao lado, dispensou os comentários alheios que lhe circulavam os ouvidos e caminhou esbarrando e empurrando alguns indivíduos da fila que atrapalhavam seu trajeto, observou a movimentação na rua e atravessou-a com cuidado, chegando em segurança à outra margem. Ele estava pondo seu plano em ação, uma medida urgente e emergencial que rezava ele fosse efetiva e segura, pois sua continuação na terra dependia do bom funcionamento do plano, e, principalmente do bom comportamento das vítimas do fast-food.
Sem dó e lentidão, Many desceu o pé na porta em que estava escrito empurro e adentrou o lugar com vontade, fazendo o olhar de todos os comilões se voltarem a ele num silêncio pacato e curioso, o bandido penetrou a mão direita no casaco em busca de algo, olhando firme para todos do recinto, durante a busca mirou algo que lhe agradara a vista: um mendigo com um sorriso largo fitando seu sanduíche de três andares excetuando-se da curiosidade dos demais. Ele trazia em seus pés uma sacola azul, exatamente a que Many havia trocado no vagão metroviário, isso apaziguou-lhe os ânimos e o fez retirar as mãos vazias da jaqueta, disfarçou bastante e caminhou como se nada houvera, enrolou um pouco e não tardou a chegar à mesa do sortudo descamisado, cuja camisa fedia a podre e urina, o cobrador enjoado ficou ao ver as mãos do homem barbudo e sujo fecharem-se imundas no pão com queijo derretido em três hamburgueres de frango assado, mas isso não o impediu de prosseguir com sua meta: o reembolso. Agora, mais fácil, evidentemente.
Sentou-se ao lado do rico coitado e, curto e grosso, olhando direto nos olhos, disse a mala ser dele e que a queria novamente, o mendigo ficou inquieto e realizou movimentos suspeitos ao deslizar sua mão parca de higiene pela mesa chegando ao colo, assustando Many, que admoestou o mendigo dizendo-lhe das graves consequências que haveria se ele reagisse mostrando-lhe o revolver como ameaça, o ladrão pediu a arma e o pobre foi obrigado a ceder, colocando-a em sua mão de forma recatada e temerosa. Agora justiçado, Many afastou-se da mesa devagarosamente e foi dando passos curtos de costas observando o paupérrimo cidadão barbudo, no momento sem a sacola, naturalmente. Realizou esse processo até sair completamente do estabelecimento, guardando as duas armas na sacola endinheirada, que foi bem fechada logo em seguida.


Aquela farda pesada atrapalhava o bom rendimento do homem da lei, o policial - ou gambé, comumente chamado peos menos afortunados cidadãos da cidade -, e para piorar, sua malfeitora era demasiadamente veloz e livre de pesos maiores, com excessão da pasta preta, claro, motivo de sua caça. Este era o seu quarto dia como vigilante das ruas e boas emoções já lhe era fornecido, ele, ainda inexperiente no assunto, não sabia o que fazer quando alcançá-la, que medidas tomar, como se proteger de possíveis ataques, todas essas preocupações fizeram-lhe pedir reforços por seu walk-talk. Com a ajuda agora a caminho, ele continuou sua busca sem medo, ele e mais seis homens engravatados com semblantes sérios.
Não era de se esperar que a ladra se cansasse uma hora, sua velocidade era grande demais para um bom punhado de tempo, mas, curta demais para escapar dos olhos atentos da lei, aos poucos ela foi cansando-se assaz, porém, não largava a corrida jamais, ia pulando e desviando de tudo e todos, até em um dado momento falho de sua prova. Olhando para trás, observando o policial e os homens transando luto, não avistou um rapaz de médio porte transportando uma maleta azul, houve um trombamento seguido de engarrafamento corpóreo, o efeito dominó descendeu o guarda embaixo de mais seis cavalos, formando um montinho não intencional, isso causou grande pressão sobre o corpo do pobre homem de maleta azul, que berrou de dor e susto.
Com o impacto, armas e sacolas voaram numa sinfonia de gritos e chuva de objetos, as exemplares de tauros desceram do alto e sentaram no chão de bicos unidos, como num beijo só, o beijo das armas, impactante cena, junta à pasta escancarada evidenciando o crime dos homens: muito dinheiro caído no chão, drogas à mostra, mais um revólver, documentos aparentemente falsos e fotos de um crime, como prova de um assassinato a sangue frio. De modo totalmente previsível, os seis mafiosos aprontaram-se para correr, levantando depressa do chão e forçando os músculos para o primeiro impulso desesperado, sendo barrados logo à frente por cães da lei e mais quatro guardas de reforços. A moça, belíssima ladra peçonhenta, foi apreendida de cara pelo guarda novato que, com rosto risonho, sentia enorme prazer na sensação de trabalho feito.-“Você conhece a criminosa ou algum daqueles seis homens que tentaram fugir da lei?” - perguntava ele ao many, o rapaz inocente que levou a trombada, -“não, nunca vi ela antes, nem ninguém da confusão...” – replicou o falso namorado, que levou apenas em sua memória o olhar frio e vingatio que Lola lançou sobre seus olhos, traidor sem caráter e mal-intencionado, todos e tudo foi apreendido, excluido Many e a sagrada sacola azul bem fechada e segura, que quedarm no ponto marcado a espera dos homens da máfia por mais uma hora após toda aquela balbúrdia na calçada do Burguer King. Nada chegou, nem ninguém, Many voltou à sua casa e esperou nela, esperou, esperou e esperou mais um pouquinho, sempre atento ao relógio e calendário.


-“Liberdade. Sai logo da cela que eu não tenho o dia todo!”
-“Como assim? Absolveram-me?”
-“Não, a fiança foi paga, agora não me encha mais o saco, vá!”
Sai Lola de sua cela quadrada, úmida e escura que guardava suas lágrimas, a garota subversíva à legislação nacional. Havia se passado uma semana desde seu enclausuramento, ela espiou todos os lados do corredor da lei, pensando nunca mais querer voltar, e acabou desembocando na sala de recepção da delegacia, onde um homem bem vestido cumprimentou-a com um beijo na carne direita da face:-“Demorei muito?” disse Many contente em vê-la, -“como você conseguiu me tirar daqui?”, replicou Lola, -“com dinheiro tudo se consegue, a fiança era cara, mas você vale mais...”
-“E como você conseguiu o capital?”-“Os homens da máfia não apareceram para receber a sacola, um tempo depois eu acabei descobrindo que os rapazes que você havia roubado eram os mesmos homens de preto que me buscariam, pediriam a grana, enfureceriam-se comigo e me jogariam num barranco qualquer já sem vida, por fim.”
Many abraçou Lola com força e afeto. -“Vamos, ainda sobrou uma graninha para viajarmos e sumirmos do mapa.”Deram-se as mãos e caminharam rumo à liberdade.
Âmbos.

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