domingo, 19 de janeiro de 2014

Por ser antigo

É defasado.

Montei um novo blog renovando o layout e incluindo alguns dos meus textos antigos. Deixei de fora 41 poesias deste blog e 15 peças em prosa. A partir de hoje, tudo que eu criar - seja poesia, prosa ou canção - vai pro blog novo.

Como o meu estilo de escrita e minhas ideias mudaram radicalmente ao longo desses 4 anos, não fazia sentido eu transportar determinadas postagens para frente. É melhor que fiquem no passado. Por essa mesma razão que não vou deletar o Ócio Obliquo. Elas ficam no passado.

O endereço novo é: arthurattili.blogspot.com

A URL não é pretensão. É falta de criatividade mesmo. :)







(Agora eu apago a luz e deixo cá meu antigo eu-lírico se perguntando onde errou).

terça-feira, 25 de junho de 2013

Um Tanto Tango (Canção)

Arráncame la vida
Nesses 10 passos de tango
Arranca, que precisa
Silenciar de vez em quando


Arranca-me do peito
Essa dor que bate em pranto
E imensa sobre o leito
Só não mata porque danço


Quanto tanto é tango ainda
Quando tanto o tango livra?
Esvai-se aos passos se me gira
O que atormenta se violina


Mais tango, um tango tanto
Que eu só posso quando em tango
Arráncame la vida ainda ainda
E me convida que eu tango e danço.

Para Elle (Canção)

Au revoir me vou
Je ne réve
Pas de toi
A bientôt
Meu grande amour
Que hoje en France
Não vai te esperar
Quase danço o adeus
Me gira e preenche
O lugar


Mademoiselle, tristesse
Aujourd’hui la canção c’est beau
C’est très utile se desamor
Quando alguém
Quando encontra outrém
E se vai como vai e vem
Dentro do meu coração


Croissant, Champagne
Abajour, L’amour
Pas de deux, grand jeté.


S’il vous plâit mesdames
Un ménage a trois
Voulez vous avec moi


Em Paris, la poésie
C'est la fontaine, la ruelle, la carré
Porque voulez vous ma vie
Se inexistes quando hei de sorrir

Da Bailarina (Canção)

Quando vens a dar compassos
De balé, balé, balé.


Sabes que minha valsa é falsa
E que o meu samba não tá no pé.


Mas num pas de deux segura a minha mão
E me leva o coração.


Nós a nos girar, andando a girandar
Valsa mais leve que o ar.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Da bailarina


Quando vens, andas compassos de balé
Dedilhindo em ponta
Levemente, delicada
Solta.

Tens um palco em meu silêncio atônito
Para sermos un pas de deux
e une valse. Infindos.

Talvez te sejam as plumas bailarísticas
Cercando-me de poesias, asas
Giros, gemidos, mudez.

E tua porta de roda roda etereamente a minha madrugada Buarquiana ainda

                                                           Tu.

Ma
poitrine
est un
sissonne
est une
chanson
un saut
de basque

Em presente contínuo.
No tempo de então.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

E se quer ser a minha bailarina
Pelo peito rodopia
E em meus olhos
Poesia vira ser

A menininha
A vontade da valsinha
Com a qual a luz se aninha
E o céu se faz ceder

Você tem que rir comigo em meu caminho
E quem sabe o meu caminho seja um canto pra você...

sábado, 31 de março de 2012

Soneto Ciclo

Sentes-te nua com teus dedos lisos
Recolho a mão tua e te levo ao sereno.
Talvez calando esta dor que te amua
Fazendo só brisa uma lamúria em vento.

O breu nos alua selando avisos
E a sina sempre atua a soprar suspeito.
A morte vai, vagueia em cada rua,
Percebes que há morte em pulsar rarefeito.

Vai, vida tua, que a sorte é a mesa posta
Vida tua vai demonstrar numa oração:
A intensão é a virtude que te gosta.

E se nem ao menos quiseres redenção
Não lamentes a saudade (que esta é nossa)
E nem te espalhes ao pecar da perdição.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Deus Salve a Favela (canção)

Morro quando guarda vida alheia
Dá-se um tom menor rangendo as telhas
Desce uma alegria escorrendo no riacho preto
E quando o sol maior aparece, apodrece o...

Morro quando é feito de madeira
A monocromática pinta as veias
Os pincéis são rifles que desfilam em passarelas cinzas
E a vida escura é a sorte na pintura viva 
que foi Deus quem nos...

Deus salve a favela 
Deus salve a favela 
Deus salve a favela 
Ou reboque a alegria enquanto é peça

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Moinho

O nosso adeus
É as asas de um moinho:
Não rabisca grinaldas
Pois range
Range
Range
Como quem não quer vento.

Talvez devêssemos colher flores
E esperar o tempo
Cessar o soprar.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Central Constância (tradução livre)

Me permita, senhorita
Bailar esta com você
Digo que a quase existência
Baila a teu vai-vém, vai-vém

Haverá uma passeta
Impossível de igualar
Que invade o teu peito mudo
E põe meu mundo a bailar

Porém teu mundo, este mundo,
Ao fim que tem importância
Bailemos, pois, esta dança
Até que se acabe o mundo

Eu vou mais cedo
Hoje é meu dia
Vou alegrar toda est'alma minha

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

E já nem sei mais

O astigmata mira o nada
E quem sabe quantas mãos não possuía
E lá se sabem fossem mãos de poesia
Ou melodias as mãos que hoje nada

O astigmata não gosta de repetições
Mas sofre todo dia e deita na tevê
E nem se lembra mais da mão artista
E nem se pena mais das repetições

O astignada mira o nada
E quem sabe lá sua alma esvaziada?

domingo, 4 de setembro de 2011

Fado (canção)

Olá, como é que vai?
Meu bem, você não leu
O que essa ausência o peito
Me roeu

Ondas pela graça
Pela espuma, santo Deus!
Formam nela a face, o dedo
os olhos teus.

Mas deixa a sodade
Salgar minha visão
Qu'o Atlântico mar
Navega meu coração

E onde havia palmas
Há Mãos soltas no ar
E esta solidão pra chorar

Deixo nessa carta
A imagem de São João
Porém, meu bem, de santo
Eu não entendo
Eu não

Se ao Brasil voltar
Na próxima expedição
Te levo bugiganga
E teu espelho de mão

Mas, meu coração,
Aguarde esse rapaz
Que nada pela vida
Não quebra nem desfaz

E se acaso um naufrágio
Levar seu coração
Saiba: feneci
De paixão.

Carrossel (canção)

Gira carrossel
que o meu peito volteador
Roda a minha
canção

Sobe na estação
Quando para de valsar
Gira e canta
no ar
Porém só faz
Rodar

Mas roda com beleza que

Carrossel é trsteza
E o meu amor
Logo enjoa pede pra parar

Baila meu lar
Carrossel em forma de mundo
Que eu vejo passar
Parado no lugar

Porém só faz rodar
Gira e canta no ar
Que eu vejo passar
Parado no lugar

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Poema Achado

Recostado à janela
Não sei se eu vivo ou morto
Sob o apoio que me guarda a alma.
Vejo passar o ar, passar um pássaro
E seus silêncios contidos...
Eu sei que da janela passa um mundo que já vivi
E que jamais viverei
Dentro de uma janela.
Passam versos que pingam nos casais
E nos casais se formam: sua cor, seus ésses
E seus sons embriagados...
São só casais,
mas guardam em si toda a poesia do mundo.

sábado, 12 de março de 2011

Não batas (canção)

Não, não batas não, coração
Que eu quero assentar
Batas pelo pai, pelo irmão
E pra quem quiser cantar

Quando ela veio de longe
E tu puseste-te a bailar
Bate teu corpo cansado
Baila teu sangue a rodar

Hoje a paz não faz e o amor
Me torna sem direção
Se tu bates ainda no peito
Oh, não batas, não, coração.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vaganças

Passeando os olhos no firmamento
Meus dedos em mãos tateiam o vento:
És tu, menina doce, a quem vagava?
A amada invisível, o amor alvo
Em cujas pétalas se encerrava?
A quem eu trago a poesia
Como quem traga a toxina
Que me pia a cotovia?

Eu te alisaria, menina pura,
Mas precisaria ser mais sublime
E evaporar nas quedas de um cabelo
Manter-me alto e sereno...

(Quisera eu morrer no sentimento.
Um infinito infinitos de lamentos)

A lua súbita e inerte permanecia
Pudera eu cantá-la a sorrir em teus braços,
Mas tua alma ainda se aterrava no azul...
E eu sorria, súbito e inerte.

Os dois traços que te definiam
Definhavam-me o desespero
E derramavam um orvalho de futuro
No terreno de um poeta.

Se tinhas os olhos invisíveis
É pois que eu mirava o oblíquo
Se tinhas a tez invisível
É pois que eu beijava o vácuo
Se tinhas a boca invisível
É pois que eu lambia a morte

E não morria.

Menina doce de rosto em riso
E o braço curto para os ois,
Se materializa e me sublima
Como um bravio de um vento forte...

Quisera eu, amor em sonho,
Morrer de amor antes da morte!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Goteiras Astrais

   Da última vez que vira o céu, como quem mira o chão de estrelas, fitara um teto de letras pingantes. Dera nome de pedaços a cada uma delas: L E N A, e deixou-as pousando em sua rede. Quem sabe dera nome de letras - entre tantas goteiras perdidas no além - à estrelas já sem donos? Será que brilhavam no breu e se fizeram órfãs de casais? E se seus pais morreram e viraram irmãs? e se esqueceram seus nomes na ponta de outros lábios?
Fariam dessas esterelas trevas em mandarim?
   Da última vez que vira o céu, nomeara o cruzeiro do sul e prometera guiar-se infinitamente por ele, até que uma de suas pontas desmaiasse e seu amor se desentendesse: _ E N A; L _ N A; L E N _?

   Hoje o céu desmaiou em sua cabeça. Tantas palavras... e descobriu que na calha de letras errava uma rasura.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vai, alegria
Que a vida, Maria
Não passa de um dia
Não vou te prender


Corre, Maria
Que a vida não espera 
É uma primavera
Não podes perder

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A mão em espada virá te debelar
A mão em flor virá te acarinhar
A mão em dó virá te embalar
E acordaremos num corpo só:

As almas trançadas, infinitamente
Os versos criados, surgidos na gente
E as brumas neblinosas do futuro...

Tudo com tudo será um só murmúrio
Um só sussurro de um peito incontingente

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O último soneto

Eu acordei morto esta noite.
Meus olhos em treva piscavam nãos
Sucumbindo à escura solidão
Que me abria o peito em foice.

Adormeci em treva esta tarde.
E te vi branca e te vi linda
E te vi... E te vi ainda
Qual o último sol que invade.

Ai, que foi-me o derradeiro sonho,
O derradeiro sono e a nostalgia...
O derradeiro último de mim.

E agora em treva acordo e me ponho
E renasço e feneço em agonia
Penitente, solitário e sem fim.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mar-lamento (canção)

Eu vi nos tristes olhos do passado
O seu olhar no meu
E aqui, nesse silêncio o sol recoa
O céu ressoa feito ateu

Que é pra fazer passar bem lento
O tempo, o tempo
Que é pra causar o desalento
À toa, à toa


É pra matar-me o mata-tempo
No tento-não-tento
E me banhar o mar-lamento
Na proa, na proa...


Eu vi nos tristes olhos do presente
Num marejar de maresia:
A imensa solidão de um mar repleto
Numa infinita alma vazia!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Como uma canção (Valsa brasileira, Chico Buarque)

Eu ia em poesia moderna e dispersa
Como um verso em branco
E via como o dia
A noite faz surgir
Surgindo as gotas frígidas no céu
Não via as horas de paz
E a paz não havia
Com as estrelas no caminho
Gotejando o breu

Mas como uma canção
Que um bem-te-vi compôs
Eu pus o peito em flama
E te deixei morar antes do sol raiar
E o sentimento o sol desvanecer
Achara a lua no mar
E o mar nos abrira
E na travessia
Tomei-te minha
Até o sol nascer

Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Olhos

Descobri que a terra
É uma bola vacilante
Boiando no infinito...

São teus olhos!

Queria poder abraçá-los
Como a via-láctea:
Com estrelinhas de artifício

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Nódoas

Não quero a morte.
Não quero a vida.
Quero apenas o vazio da
Existência,
Que me põe a ninar...
Dia mais dia
Ela embala meu sono
Com silvinhos de cachaça
No ouvido, violenta.

Não quero a morte.
Mas quando ela vier me
Acariciar, digam-lhe que sonho
Dormir sorrindo
Mas que tive um grande
Amor...
Digam-lhe que leve minha alma
E queime-a, incinere-a
Como a vida faz!
Que esta já não vale.

Não quero a vida.
Essa andança corrida
Que já não miro mais...
Quero o agora melancolizado,
O vácuo do futuro,
A nódoa do passado.
Viver como quem vive do
Silêncio.
Mudo, indiferente
Num sem-som que é gente
E me entrelaça os dedos...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Tentada

- Cada tentada, uma paliçada. a senhora sabe. De modo que, à moda dos reis baianos, essa morena me dança no peito. Doce flor. É uma menininha arteira! nem sabe a bagunça e a desbagunça que me faz. Velhaca. Mas eu acho que sabe. E bem demais! Cê tá irriquieta... Eu sei que te sou estranho... mas é adorada essa adorável moça... Então,  como dizia, vi-a vez primeira a desfilar na Ladeira da Saudade. Trazia uma travessa nas mãos. Baianinha. Um peixe morto morria na travessa, nas mãos, na saudade. Ai, a saia. Num grito gravei meu silêncio, para vê-la atravessar com todos os pés. Passou como quem passa ignorante, sem saber o que se passa. Deixa o cliente, outra atende-o. Ai, que saia! Saía rendada cantando a Dora e foi-se embora. No atônito quis corrê-la, dar dados ao meu amor. Pareço um desesperado, dona, eu sei... Mas sabendo-a, quem não se dissipa? Não pude não... Acontece que, perdoe o clichê, mas o lance parecia ter saído de um romance digno, um filminho lá daquelas terrinhas de Holywood, sei lá. Uma seca! Falo meio pausado. Me falta ar. Cê não me sabe feliz que faz esse copo de vinho e a sua presença, fina ! Brigado, senhora... Pois eu queria num átimo dar risadas mais ela, quase um ato legítimo – cê sabe: risadas são palavras de confiança... voltei à Ladeira da Saudade dia mais dia para tentar revogar seu nome. Mas ficou na saudade. Certeira. Acho que te lanço palavras desencontradas, pairantes no ar. Ocorre que lancei mão de pensar. Eis que falo assim. No então... Dona Leda. Posso te chamar de Lê? Escuta. Esqueci a moça nos próximos sóis. Não de outra maneira ficaria em paz. Ela evaporou da Bahia-de-Todos-os-Santos. Vivi os dias seguintes vivendo, percebe, Lê? Mas essa história da carochinha de que permaneci no escuro com o peito decalcado e fenecendo é lorota. É muito romantismo demais. Os dias me davam as alegrias normais: o baralho, a carne, o rir, o cigarrinho, o samba... Tem gente que não sei... é gente que aumenta. Gente que encontra a morte nos desencontros da vida... suada, garrida, sofrida, escarrada é. Sofrida é dessa dorzinha invisível! Mas morrer? como nos romances dignos e nos filminhos lá de holywood? não sei, não sei. mas me é tão adorada essa adorável moça... Um pitéu... Perdão! Pareço confuso. Estou. Porém, bom moço sou, viu? Pergunte ao Sansão, ao Guinho, ao Tiro-Certo e a quem bem entender. São boa gente também, apesar do que dizem as bocas falantes. A senhora tem mais desse vinhozinho? Caboclo te abençoe!  Esse devaneio de pensar começou por se dar há um tempo atrás. Nunca havia me ocorrido antes. Como pode isso comigo? Eu sempre fui cabra-home, forte, dominador. Ilusão. Parece que ela anda por aí atrás de alguma fortaleza pra se encostar. Vai raspando, raspando as bases, na sombra, pra que nem se faça ver. Tinha nome essa ilusão: Dora, que eu fui descobrir porventura um bom tempo depois, no após. Ela veio com um amigo meu, um conhecido, de fato. Ele me chegava com alegria todos os dias e dava bons tapas nas ombreiras, dizendo como vai e rindo-se-rindo com suas bafadas de cigarro. Conversávamos de sempre. Aventuras amorosas, rinhas de facas e as labutas cotidianas. É um grande conhecido, Lê, o tal Navalha-Aguda, mas daqueles que não se deve contar de menos e muito menos de-mais. Um conhecimento que se bastava e não se aprofundava, continuava inertemente constante, como o choro de um tamborim. A senhora sabe: confiança de menos nunca é demais, e repito. Nesse dia azulado, daqueles que no céu não há flocos nem tristezas, recebo o tapinha no ombro, pertinho da rua batida terrosa que vendo coco. Boaventura, cê de passeio? Ele me disse e riu-se com seu sorriso de cigarro, apoiando-o nos lábios. Rapazola meio-gordinho-meio-baixinho-meio-careca como se se espera de quem da sua idade, mas com uma certa sanha no olhar, como se portasse as cores do perigo. Não vou me perder muito descrevendo-o, depois você o veja você mesminha que te vale mais. Ele mais eu dialogamos uma conversa padrão de início e no seguinte ele chama o pedaço. Ai, que saia. Era outra, mas o 'quem' que se continha nela permanecia intacta, divinamente. Dora, apresentou-me. Parecia que andava meio perdida, zanzante, caçando nomes nas ruas. Queria a casa, mas houve coco. Dei-lhe um verde que só. O melhor da frota de meu carrinho. Não sou má pessoa... Sorrimos. Escuta, Lê, tudo bem eu te chamar de Lê, né, Lê? Desculpa a intimidade com a senhora, mas eu meio que me empolgo como nunca... Eu não sou de fraquejar das pernas e bambar do corpo com as cabrochas, mas Dora pôs-me assim. Conversei um bom tempo com ela, no querendo-e-não-querendo que ela se fosse logo, num de repente. Ai que vozinha linda. Navalha-Aguda foi por ela abordado para essa ajudança, mas como era meio perdido, me veio rogar apoio, para a minha sorte. Fomos e vimos, conversamos e sorrimos naquele finalzinho de manhã, como nunca sonhei! Apanhei-lhe os dados, gostos, humores, tristezas e deixei-a na portinha de sua casa, com um sorriso nos lábios. Fiquei num não-sei-que-faço quando a porta foi batida, olhando bobamente seu jardinzinho de cores. Com licença, amigo, o senhor não vê que conversamos? Esses fregueses nos atrapalham muito, Lê. Tudo bem a gente conversar lá fora, passeando na orla? Isso. Facilita bastante. Pois então, não quero que fiques brava comigo, sou bom moço. É que encontrei-a várias e várias vezes na alegria de tardes valsantes da Bahia. A Bahia não te lembra uma valsa? Nem a mim. Mas no momento lembrava a Das Flores, na minha mente tresloucada... Essa adorável adorada Dora cativara o coqueiro, o vendedor de cocos, as pedrinhas miúdas da praia e até as ondas bravias que urravam seu nome... Ai, essa prainha me dá inspiração e me lembra dela como nada. Eu beijei-a aqui, num montinho de areia que ficava desapercebido, com vergonha alheia. Foi um beijo romântico. Ela apontava as estrelas e me dizia querer ser uma delas. Caminhávamos tímidos, as mãos entrelaçadas... E vou te dizer, o coração nem mais sentia. É esse o momento que mais ri: no sabendo-se o momento do beijo, da obrigatoriedade do beijo e do momento de depois, quando se respira aliviado, feliz e triste pelo fim e pelo início de uma nova fase do romance. E ela queria ser a estrela, mas me era muito mais... Dona Leda, entenda, eu não sou de me apaixonar, amar, garrar, me dar. Só que estou terrivelmente nessa de viver pra sempre. Estou terrivelmente feliz. Decidimos que um papo eu teria contigo. Estou tendo. Bom moço sou, como já disse. Não te apetece isso? Quero sua filha em namoro. Sua adorada adorável cria.
           Boaventura sorriu tímido. Dona Leda, então, olhou-o com cautela, buscando ver se achava o coração do rebento nos caninos do recém-conhecido.

sábado, 16 de outubro de 2010

A um certo passarinho

Um poetinha sem assunto
É um jazz na vitrola
Girando a tristeza...

A que existe uma alegria
Na errância de um esteta?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Heu

Hoje estou na 2ª pessoa.
Deixei a primeira na distância
Pra resolver o infinito
De nós dois.

E depois
Esquecer-te em mim
E errar pela eternidade
Como um cão sem guia
Como um Eu perdido em mim.

Distração

Acordei sonhando um verso
Que esqueci na escova.
O resto do dia passei infeliz
A tentar lembrá-lo
Só que a escovassoura extraiu seu registro.

Gargarejei gotas e gotas
De um gole d'água.
Cuspi.
E a poesia escorreu rica
Ruindo, correndo o ralo
E rindo.

E indo...

...

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Epitáfio

E quando na morte
A tumba de minha vida
Jazer sabedoria
Hei de chorar
Nas lágrimas da chuva.

Por que não na vida?
Eu não aprendo na morte
Ela me é ignorante...
Ela me sorri aguda
Ao doar sua fria parte.

Epitáfio, epitáfio...
Não lhe soa descaso?
Hei nas trevas descobrir
O que me é do mundo pátrio.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Pois passas

Hoje tu andas além
Com passos de mansidão
E passo compassos em vão
No triste que o passo contém

Ai, que tu andas bem
Atrás vai meu coração
Ai, que deixas um não
Nos passos que passas também

Fostes sim, num sonho passado
Tanto amor em tanto e amiúde
Que inexiste num corpo parado

E teu peito, pedaço mais rude
Ao dar-se amante ao amado
Pôs-se ao passo num tal que não pude

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

I

"Eu vos atiro ao pélago!"
Diz o vate pescador.
E as redes vêm repletas de poesia

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Repouso

Olha!
Mais uma flor se vai
Passear entre as que foram...
Levou consigo o vermelho
Fervido das pétalas
Deixou sua calma
E a graça da rosa
Que repousa grave
No túmulo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Anita

Certas noites, a lua me late
E me lambe com seu lume alheio
Lambendo-me louca a saudade...
Oh, cadelinha, por que foste tão cedo?
Tinhas patinhas de correr
Tinhas fuça de cheirar
Tinhas água de beber...

A noite do adeus me encheu de uivos
Foste ao céu com o rabo trakinas
Brincar os astros...
Salsichinha, não faças esse olhar saudoso
Algum dia, em sua casinha
Te beijarei
E te darei meu osso.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Soneto nostálgico...

Fiz da noite, palavra
Com pontinhos astrais
E neste céu que a faz
Vi-me no breu em que estava...

O teto do solo amava
O chão jazia em paz
O amor foi-me fugaz
Avoou... vagou ao nada

Oh, céu que sorria
Oh, chão do sofrer
Oh, noite do dia

De que me vale viver?
Se a amarga nostalgia
Meu peito urtiga escrever...

Tresloucada malabarista

Oh, céus,
Que maldade dela é essa?
Que me sepulta o peito
E me esquece assim depressa?
Nem, tão ao menos,
Lacrou-se as mãos a orar...
Foi-se cantando afora
Foi no então
Foi-se  indo embora
Largando o amor no altar...

Oh, céus, diz-me se é loucura
Ou se pútrida doçura
A mulher-garrote amar
E enterrar-me na aventura!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Proto-poema, proto-canção

Sente...
O dia salta
E vem maldito
Como um primata
Tomado eu fico
Mas não me mata
Eu fico aflito
Pois na calada
Calado eu grito:
"A clara amada
Deixou comigo
Estrela alta
E foi sorrindo
A noite mata
E vou sorrindo...
O dia salva
Mas traz, amigo,
A paz na raça
E o oco infindo."

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Seis sonetos de exaltação - VI

VI

Ia arfando pela terra padecido de euforia,
Caminhando grave e simples com a noite no arfar.
Não sabia, Heleninha, tristes dores que há no amar,
Quand disto-te no espaço que a distância percorria.

Mas a vida, amor infindo, deu-me à vista o que eu não via:
Deu na terra que eu na terra só queria te plantar.
Semear mais bela flor que o cosmo sonha ter no altar
E colher-te com meus braços de colher perfumaria.

Expande a flor sedosa: rubras pétalas pro aquém! 
Leve ao vento as suas cores, cede à terra o seu florão, 
Que a noite o aroma adoça e faz o dia raiar bem.  

E tão bem raízes possam aspirar do coração, 
Desse peito que remoça e reforça meu alguém,  
O amor que a ti eu nutro, sempre ébrio de emoção!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Seis sonetos de exaltação - V

V

Por que tu me pulas e me lanças
E me queimas com doídas pelotas?
Tola! Que me roubas vivas vidas
E me esqueces em voantes ilhotas?

Não me aprazes se ergues-me a ti, além
Carregando em teu corpo meu corpo...
Dementes meus dentes te ferem afins
Mas prossegues com o braço absorto...

És, amada, a minha malfeitora?
Ou cedes a mão que jamais fora?
Que me beijas assim desvairada

Quando furtas moedas aladas?
Que me encantas assim nesse encanto
Quando esqueces do jogo em meu canto?

terça-feira, 6 de julho de 2010

Seis sonetos de exaltação - IV

IV

Mirei-te de um mirante 
Esvoaçante de um prédio 
Embebendo em mim remédio 
Onde finda a vista errante

Miraste qual infante 
O poeta e o sacrilégio 
Que é fitando num assédio 
Remirado num romance

Foste pura verde vista 
De mia vista a flora e a fauna 
Que o mirante de mim dista

Mas mirando eu perco a calma: 
Não mirava a e via a vista
Pois mirava e via a alma!

domingo, 4 de julho de 2010

Seis sonetos de exaltação - III

III

Ei-la poesia! Delirante e dormente...
Passei mia mão nas melenas
Sentindo-lhe as letras apenas
Da linda poesia que é gente!

Ei-la poesia! Delirante e dormente...
Quedei-me com as vastas Helenas
Presentes nos vários morfemas
Que abriga em seu sono ardente!

E doei-lhe os seletos dedos
Aos ricos versos de então
Beijando-lhe os fios desse enredo

E fui com estrofes que vão
O alvo papel preenchendo
Me enchendo o vazio coração!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Seis sonetos de exaltação - II

II

Eis que súbito a orquestra nos ruge
E me surge como uma oração...
Incutindo em meu peito punção,
Tresloucando meu corpo amiúde.

Pus tua mão na mia mão que pude
Num silêncio que troa amplo vão...
Descompondo-me ao tempo de então,
Maculando-me as safas virtudes.

Via arcos... violinos amigos
Melodias de timbres infindos
Musicando o teu tato dado

E voei... com que a nota leva
Tonto e leve avoado co'a entrega
Do teu alvo dedo no meu entrelaçado.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Seis sonetos de exaltação - I

I

A galgada madrugada da alta lua que trespassa 
Despeja-me um tal frio que me cintila no pulmão. 
E despeja cá também albina e lépida luz rasa 
De uma estrela, tu Helena, enevoando-me a razão. 

És tu a madrugada, gota quente de sonata 
Rosa estrela, estrela rosa, és um ponto à escuridão 
Que derrama, de beleza, o calor que a alma mata 
Sufocando-me de calma e doce paz no coração. 

Aspirava escalar-te, estrela alta, pura Helena 
Pelo plácido caminho, via alva a rota albina 
Pra dizer-te, sussurrar-te, embebido em ébria cena: 

"Desce à terra, amor infindo, seja a vida e minha sina. 
Dê-me os dedos, dê-me os olhos, neste pálio não mais trema 
E alumia-me mia alma co'esse brilho que rebrilha." 

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Velo

(ganhador do III Prêmio Literário Canon de Poesia e publicado em sua antologia)

http://www.s2publicom.com.br/imprensa/ReleaseTextoS2Publicom.aspx?press_release_id=24377

Hoje eu vim velar a poesia:
Cerrar seus globos finos
E valer a arrefecia.

Vim deitar em seu peito
Vim deitar na sua mão
Repousar em seus miúdos
Mudos versos de amplidão
(Como pousa o mar na areia
E o terror na escuridão).
Não mais linhas, poesia
Não mais som, mia poesia
Não mais cadência e imponência
E a valência e mais-valia.
Enquanto rezam Ave-Marias
As velhas do sermão
Eu Vejo arder Bilac
Labareda de expressão:
Tácito fogo que estala
Caatinga de cantiga que é
Caatinga de cantiga
Palavrada vai queimada
Caatinga de cantiga que é
Caatinga de cantiga
Se imaculam na tostada
Caatinga de cantiga que é
Caatinga de cantiga
E o contrário ocorre então.
Caatinga de cantiga que é
Caatinga de cantiga.

Após disforme a poesia
Eu choro a perda minha
E fecho o meu caixão.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Balada da moça que anuviou

Sob o imenso pálio aberto
Os olhos de Lucília flutuavam...
Era uma estrela lá voante,
Era um voo cá passante
Em balões que alumiavam.
Mas um cometa ateu rasgante
Rasgou nimbos que se amavam:
Eram nimbos que rolavam
E sob o vento se engraçavam
Neste espaço cintilante.

Mas Lucília, essa menina
De olhos amendoados
Não via olhos de um noivado
Nem de um puro namorado.
Lucília se avoava
Querendo o céu infindo...
Lúcília, então, elucida
Para o pio corpo finito
Que não mais carne quer pois ser
Pois que tem um corpo aflito.

Lucília, essa menina
Quer ser nimbo bonito.
E põe bonito pra Lucília
Que mais parece a filha
De uma ofensa, de um mal dito.
Via as núvens tão disformes
Que se amando sem pudor
Diziam à Lucília, pobre :
Por que não dormes?
Por que a dor?

Lucília se açoitava
E gritava ao esplendor:
São feias e disformes!
Cottons gordos e enormes
Mas têm amores e têm amor...
Tem um pálio infinito
E outras nimbos, outro agito
Diferentes dessa morte
Que me é lenta e consorte
E me é a vida sem cor...

Sob o imenso pálio aberto
Nossa Lucília anuviou...
Virou nimbo de tez cinza
Carregada e precisa
De gotínhas de calor.
Precipitou, então, um dia
Lenta, à face de um senhor
Pobre pai - o de Lucília
No enterro da menina
Lhe entregando à bela flor.

sábado, 5 de junho de 2010

Poísmo

Cachorros cocorados rezando rosário por dia...
Meu elenco custa uma banda de alquimistas.
Voam nas gôndolas viradas o silêcio engarrafado...
Tresloucado amigo! direis. Me chegam as olheiras ao sapato.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

KK

Acaso fosse-me um breu as veredas vielas
Acaso fosse-me a vida um vazio de janelas
E fossem-me das mãos os falhos dedos setas
E fosse-me o chão um fundo fato meta

Sei que estarias lá, como a valsa nos amantes,
Estarias lá alumiando o torto andante
E voando ia rasgante enquanto o céu me fosse queda.

Seriam os olhos de condor, de amor voante,
Pois ei-los tão atentos: globos sentinelas
Ei-los, sacros, sol: amor gigante!
E ei-los, pois, perenes: o amor que espera.

Mas fosse-me a vida uma aventura errante
Pois é que tu não estarias nela.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Baile de máscaras

É preciso um pouco nesse tudo
De uma abstração cotidiana.
Essa dose de não-sei-quê
Que me vem e me leva à merce
Da poesia que me inflama:

Península, fragata, capuccino
Corpo, Príamo, mordaça
Sálvia, viável, carimbo
Vinicius - fina graça -
Suave, idade, galgada
Dardo, vote, morte.

Ei-las: homeopáticas doses.
Purismo poético flutuando no espaço.
Frequências de máscara.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Vingança

Vens como de costume
C'um mistério que labuta um seixo.
Me bradas no então: feriu-me!
E c'um beijo de não, eu bulo-te a boca e te deixo.

Deixando-te sozinha com tua voz de silêncio,
Com teu incêndio invisível beirando o inverno,
Com teu sapato preciso apoiando-se no vento
E tua alegria na tristeza cavando o peito interno.

Com um mistério que labuta um seixo
Eis, pois, que me fecho.
E acabo por abrir-te a paga profundeza
No Teu frágil imo coração-deserto.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Elegia que se foi

Sus! Gritava-me a pena em sua lida.

Eu era em treva o meu próprio carrasco
Eu dera em terra meus últimos passos,
Oh! Pia pena sofrida!

Sus! Sus!

E já nem via mais luz!
Mas eis que em meus dedos a pus
- A Mia pena de azuis -
Para corrê-la aos calhamaços
E, dentre erros crassos,
Mia vereda fazê-la
Co´s meus pêlos nus.

Sus! Sus!

A pena me apressava
e, tardia, ardia na folha
Pois que dera-me uma gana
Um não-sei-quê de flama
De versar até a morte
Da última saudade
E da última chama.

Sus! Gritava-me a pena em sua lida.

E dá-lhe versos! e dá-lhe linhas
Eu agora era a elegia
Eu era a minha poesia
Lançando-me ao meu Moleskine
De minha vida vazia!
E era multiforme: livre, metro
Haikai, soneto, branco

Sus!

Meu sofrimento era livre:
Era um livro que voava e morria na chuva.
                                                      [Eu queria que morresse logo, como vão os versos livres. Eu queria senti-lo esvair em mia pena. Queria escrevê-lo até o infinito; até a morte. Desesperei-me esqueci entao de pontos linhas virgulas estrofes versos gramatica leksiko e peguei e nao parei mais morri na primeira queda:

Eis
Que
Caí

Amor é fogo que arde sem se ver
Sou Camões, sou Vinicius, sou cafuzo!
O amor em carne e a carne em amor; nascer
E eis que eu sou a língua em desuso

E mais um quarteto, mais dois tercetos
E escrevo-me assim... Sou qual luar
Sou como a luz lunar: amores verto
Então, versos (três) escuto - em mim - cantar:

Sou o mar! Sou o mar! Meu corpo informe
Agora, infinito, eu sou feito de sal
Sou feito de sal da ira que dorme!

Que mal pode ser mor que, no meu mal,
Eu haver incorporado essa vida?
Sus! Gritava-me a pena em sua lida!

Sus! Sus!
Pirou meu peito
Ainda.

Desejava não mais parar, nunca mais
Escreveria até se esgotar o sentimento homicida
(Pois que mata de jeito).
Escrever infindo era como dançar sem meta:
Rodopiava e pulava e expressava ao léu
Toda mia tristeza sentida.

Sus! Sus!
Só me lembro de puxar a lingueta...
                                        voou
Abri a janela e minha alma
E voou co'a pena da caneta.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Distração

Era um poema de amor, alí, invisível no alvor da folha; como que aguardando ser delineado... No entanto, minha negra pena decidiu imprimir suas razões ocultadas...:

"Porque és, nas vagas de meu tempo,
Horas vagas de lamúrias infindas
E ternuras perdidas,
És o amor e sofrimento
E o tormento! o tormento!
E por isso me vens como um rebento
Tocar-me forte ao pé do ouvido
Vens com dedos peçonhentos
Bulir-me o peito, meu imo,
meus olhos sorumbáticos e distintos...
Vens-me como a visão do fim eterno
E vens te putrefazendo no aberto
Por fim, vens-te vindo
Como vem torpor no grã-deserto.

És tu na tua ausência
Sem saber ao certo aonde vai
Ou porque faz!"

E eu logo me pegava a gritar e clamar e urrar e bradar - mãos para o alto e cabeça erigida - co'a amante que me mata dês que nasci:

"Oh, minhas horinhas de descuido,
Não me deixes cá sem ela
Minhas horinhas, mia senhorinha!
Que eu estimo alcunhar as estrelas
E niná-las, faceiras, com um poema
Mia senhorinha!
Sou capaz de... sou capaz de...
Bulir com Poseidon, deus das vagas,
Na mia canoa de cupim!
Sou capaz de viver morto sem ela
Sou capaz de enveredar o meu fim..."

No fundo, eu sabia no fundo que nem a moça nem o tempo me ouviriam... Estavam, tolos, presentes a cada segundo, mas estavam distantes, bem distantes noutro mundo...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Tarde valsante de São Paulo

Quando da tarde valsante de São Paulo
Sentia a quentura do sol queimando
os músculos tesos e as núvens cãs,
Via a doçura de cada pomba berrar em berros mudos
A moça pura, o pão, o errante e infindo tudo.

E eu sou menos que tudo. Sou o errante infante
Que guarda toda a mágoa do mundo.
Sou o solo ácido, infértil, repleto do invisível.
E nessa invisibilidade mortal, sentia minha
Boca da alma - seca - afim de gritar:

-Vai-te embora, bicho imundo, que não te quero mais
Coração, alma, perdão... Meu naco de fel, vai-te embora
E leve contigo essas núvens corroídas pelo fogo
Leve essa alegria, leve esse cheiro de orvalho pela manhã
Leve contigo o sol e repouse suavemente mais ele em sua [cama:
Contente, feliz! Pois é o poente que te deita - e não diz.

Era isso e mais: era o verbo.
Era o início de uma constelação de lamúrias.
Mas... como fá-lo-ia se me era a poesia?
Como ofendê-la e expulsá-la de meu imo
- Nessa tarde valsante de São Paulo -
Se me era a pura e ingênua poesia?
Sua boca, seus olhos, seus seios alvos
Era-me um pedaço de poesia ambulante - e errante -
Era-me um soneto, epopeia, haicai, trova, rima, forma
Dera-me os versos, a pena e os ouvidos agudos de um poeta...
Já não podia matar a poesia...
Mas era essa poesia que me enterrava gota à gota
E me enterrava com o sol, com as núvens passantes,
Com as pombas brancas - representando a paz-,
Com a fragrância de orvalho matinal...
E me enterrava com seus sorrisinho presente e sua presente distância...

Porém, desejava eu - no fundo - com um berro mudo:
-Fica aqui, bicho imundo. Deixa-me deitar mia cabeça em seu colinho... Não vá não,
Que eu te quero tanto! eu te quero tanto... que nem sei mais querer.

Engajamento Lírico

O sol abaixa o mar pelas tardes oceânica do nordeste. O mar virando sal e se cristalizando na mais cã da crueldade. Crianças cegas cavando o mineral mais ardente na sua pureza; são apenas crianças infelizes que mais sabem no mundo o sabor sádico do sal e sua negrice camuflada.
E no entanto, eu não me firo... Sou feliz mais cantando a cotovia, a aurora, a tulipa, a felicidade. Sou mais feliz cantando as paixões rubras que nos surgem em locais inesperados e desesperados. Sou mais completo enquanto salgo minha canjinha aguaradando mia namoradinha.

quinta-feira, 18 de março de 2010

comofas/

Você é Greta Garbo
E eu sou de Moraes

Como faz?

Matemos poesias
Ou vivamos melodias

Imortais?

domingo, 14 de março de 2010

Ode à Lira

Quanto mais eu descubro a minha língua
Mais eu declaro a paixão minha à
Derradeira flor do Lácio.

E não importa o que eu faço
Pois perene minha sina
É viver no seu regaço.

É a coisa que me corre
E bole os pêlos dormentes
É a lira que acolhe
E rebenta sorridente...

É a lira que me nina
Como jamais ninguém

É sua tez que caricia
E me seca a lágrima fria
Filha tola de outrem.

Ai, menina, para sempre sê meu bem
Pois não acho em outras linhas
Ou cadentes melodias
O prazer que me provém.

Tarde

A tarde lambendo minh'alma
Suposta porta da navalha.
A brisa cavando a vala
Com sua dança desvairada.
A mão que corre o couro
Afagando qual agouro
A telha quente do soldado
Tão contente e mal-amado.
A moça comendo o prato
Pronto o prato, comido o rato
Com a mão, o dente, a gula
Qual besta qual engula.
E os professores, dementes,
Lecionando, esquecidos
Nesta tarde ardente,
São feitores, fazedores,
São horrores reprimidos.


Todos nesta tarde
Numa só tranquilidade!
Felizes, felizes, felizes!
Vivendo um dia, mais um dia
Fenecendo na cidade.

quarta-feira, 10 de março de 2010

À falta do saudoso poético lírico

Há que haver desse silêncio mortal
A vaga e abismal poética do ser
Pois é com a tristeza abraçada a lira
- A doce toxina do gozo total

Há que haver...

Tenho-a como uma menina tardia
Que me bole a face com dedos plumários
E me chupa os desejos com seus rubros lábios
Enquanto meus cachos me acaricia

É mágica, inoportuna, inoperante
Some-me em horas do acaso
Metamorfoseando o invisível
Tão pedante e indizível

É errante!

Mas quando a encontro
Ah! que bom que é!
Nasce algo decente
De sua barriga tão minha

Algo no qual porei veloz o nome
De pura senhora impura poesia.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Confronto "Duelístico" do Homem Consigo

Eu, minha alma de poeta,
Meu corpo cálido de broto
Nasci roto. Nasci morto
Como um rebento acéfalo
Já sem vida e sem meta
Sem suor e sem sonho
Já sem sábado e nem domingo
Já sem amor, sem visão
Sem seresta, sem prazer
Sem perdão, Sem amigo.

Ando pelas vielas do destino
Com uma bomba-relógio armada
Contra o tórax. Sua sincronia
É meu coração. Dês que nascemos
Vivemos condenados a essa bomba
Aguardando sua derradeira função.
Sem pilha e sem festa
Sem contador, sem relógio
E sem seta para se guiar.
Sua meta está dependurada
No fio do universo
O fim.

Não queria ser poeta de uma morte só.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Aos safos (perdão!)

O poeta faceiro,
Brincante e errante
Que vos bole agora,
Se vale pela hora
De vos fazer levante!

Pois tá meio sem ira
Sem lira e sapato
Um verdadeiro chato
Que tem o peito amante
-Doce sina de meu fato.

E que sina maravilhosa
Tem a vista garbosa
Da mulher amada!
Que refez o safo
E transforma em caco

A sisudez do prosa!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Soneto da distância Helenística

Oh, grave distância padecedora,
Não sejas infinita e duradoura
Dentro da saudade em que foste criada.
Saudade: das dores criadora.

E ao se estenderes pela estrada,
Por quilómetros e quilómetros viajada,
Peço-te que leves junto a ti
Meus pensamentos à mia amada.

Pois que eu possa sorrir
Novamente, à boca aberta,
Ao se não senti-la aqui,

E sentir-me alegre, como em festa,
E dar risada, pois que feliz,
Sem mais queixar o que me resta.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Reflexão Paulistana

Aqui na casa, no meio do mato, no canto da praia
Há um ventilador.
Usa-se muito, com um tanto de afinco, pra espantar mosquito
Mas também calor.

Pois que paulistano é povo estranho!

Ode a Camburizinho/Cambury

Retirem do léxico paraíso
Dos poetas, sonhadores e de Adão.
Apaguem da cabeça o verbeto conciso
Pois não o conhecem, paraíso, em si
Quem jamais foi, ou viu, Cambury.

Nem viverão a efemeridade do tempo
Quando as ondas bolem na areia.
E, na água, vê-se pé por inteiro
Enquanto a cabeça à risca do mar...
No céu azul passa o vento com o tempo a boiar...

Vê-se de um lado mata densa, igual ao outro
Lado, de beleza, todos têm, natureza,
Viva...
Brotam dos céus as odes místicas
Brumas ao léu murmuram, paralíticas.

Ai, Cambruy dos meus sonhos...
Chupo-te num coco do mato!
Nona sinfonia aos ouvidos fadonhos
Sua paz me suga, oh prainha,
A amada minha é seu fato.

Rio Cambury te corta em duas
Cambury, qual sexo.
Água que beija água entre as rochas
E poetas, a sorrir do seu jeito
Cambury, de bolir com meu nexo.

Camburizinho, me dá paixão
De galgar por entre as rochas
à sua esquerda. É perigoso tesão,
Qual tocha que se atea na caverna,
Por seguir por te seguir por entre as pernas.

Te proclamo o meu amor,
Praia do norte. Não há Olimpo
Nem Babilônia igual seu porte.
Amar-te-ei até a morte -e depois também -
Camburizinho dos meus sonhos: amar-te-ei até do além.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Enterro Vivo

São só trapinhos, todos trapos
Tristes dejeto e farrapos
Linhas dormentes, perdidas
Novelos da mente, do fato.

São o mato ressequido
E o azedume no cacho
Ante tudo ocorrido
São o pranto que faço.

Ah, são a mão da morte
Andando junto à alma
Carregando, sorrateira
Com calma, com calma
Rota fria de charque
Pele fria da palma

São tulipas murchadas
Pelo sal das lágrimas
Gotas, caídas, cadentes
São as brumas da mente.

São só trapinhos, todos trapos
Tristes dejetos e farrapos
Funeral de beijos, calor,
Abraços.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Retórica.

Há um imenso vão
Entre a fala da boca
E a pena da mão.

Pois que o canto é forte
Cala o corpo e agressão
No canto há porte
E poder de execução.

O canto é morte
E canta a encarnação
O canto é morte
Encanta o coração.

Sim, é a palavra
Que sobrepõe a intenção.

Temo o poder crasso
Da palavra proclamada
Pois por mais que força faço
É um passo a caminhada.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Venda

A poesia é linda.
Repousa decente
Com a barriga cheia
E canta contente
O melhor da vida.
A poesia é linda.

Com seus alvos dentes
Sorri a poesia
Sorri em pleno dia
Sorria ao que via.
Quanta paz a
Poesia traz
Em seus cantos
De alegria!

Penso se não havia
Desejos de chorar
A nossa poesia.
Pois ela é linda demais
Qual pedofilia.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Romance Ordinal.

Suas melenas vastas, desritmadas
Eram casas cheirosas, sagradas
Que inalava o homem. Seus olhos
Cerrados, pulmões infiltrados.
O odor doce era o que o homem
Sentia no peito, a moça, o cheiro
Âmbos sufocantemente
prazenteiros.

Seus olhos lambiam-se com gana
Eram olhos de cansaço, calados.
A cada entreolhada, o coração
Disparava, e suava e rodava.
Miravam-se, a tez, a boca, o tórax
O ventre, o quadril, o ventre...
Suas pernas tremiam, o corpo
não mente.

E o homem com seu tato dormente
Entre afagos despropositais
Sentia o que nenhum homem sente
Em carinhos tão reais.
A moça, sorria e lhe retribuía
Virando a face, corada, cansada
Revelando a dureza do dia e o que
Nele havia.

O momento aguçava-lhes a espinha
E seus exalos* foram ficando
Vezes mais breves, como que sabendo
O destino de suas peles.
Oh, quanta dor o homem sentiu
Quando sentiu-se arrastado ainda
Em pé, perdendo a anônima de vista
Lá pela estação da Sé.


*Exalos = Dá pra entender o que é.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Prova de Química

Suas palavras proclamadas
Desentendidas e perturbadas
Lhe saíam à boca secada*
Lhe fugiam à mente estragada.

A velha mercava: Era dia,
Era a noite! Mas, senhora,
Não via hora, nem trama via
Pois era a noite a dura
Senhora de sua poesia

Era açoite e torpor que luzia
Era tudo o que havia, e havia...
Ah, se as estrelas lembrassem
De tanta dor do universo
Dispersas, todas naqueles versos...

Cada brilho apagaria
E cada chama esvairia
Naquela penumbra fria


*Seria bonito se existisse, mas acabou indo pro glossário. Aurélio que me perdoe.

50 Anos da Bossa-Nova

Quando souber ser paixão
Com seu ardor em combustão
Pus-me a gritar e a
Correr e a chorar
Na súbita amargura
Da perdição.
Oh, senhor, por que
Deste em minha mão
Caleijada e arrombada
O poder do perdão?
O poder do operário
Descalço, pé no chão.
O poder do sem salário
Catando o lixo co'a mão.
O poder ferroviário
Aguardando nosso chão.
São só poderes em vão
Poderes inúteis
De perdoar o que
Eles são.
Poderes ilegais
Que tu deste
Sem razão!
Não! não posso
Aceitar esta brasa
Esta laje
Esta casa
Que a chama
Inflama
E arrasa, a
Chama chama
E arrasta, a
Chama queima
A couraça
Do país, da
Nação!
O Brasil que eu amo
Não é o Brasil que
Proclamo.
O Brasil que declamo
É o Brasil todo ano.
O Brasil que eu amo
Está além mar
Além céu, além bar
Além penar.
É utópico.
O Brasil que eu amo
É o Brasil chamado cantar
Carinhosamente chamado
De lar, doce lar.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Soneto Disforme da Alegria

Escalemos todos o morro roliço
E amputemos nossa sina ao além
Havemos de ouvir na bruma muda
O cântico ríspido rasgando com viço
Das balas perdidas que ninguém tem.
Admirem, senhores, negros caminhos
Carentes de verde, de roxo, vintém
És o morro mais belo, ornado,
Assustado, és de todos mais velho
Que a fome mantém.
Inspirem, cavalheiros, a merda no ar
Pois o rio aqui expira
Excremento a boiar...
E a vida foge devagar.

sábado, 15 de agosto de 2009

Maria do Mar - Parte 1

Com uma tora à frente da outra, foi-se, pouco a pouco, escorregando qual manteiga a embarcação de Dorival, que gritava feito louco clamando cuidado com sua preciosa Madalena, a embarcação de pesca abençoada da Praia de Iemanjá. Dori, como era conhecido, orgulhava-se de antemão de sua provável pesca farta num irradio contente de seus dentes enquanto observava o trabalho do carregador, que ia levando leves sopapos esporádicos na cabeça nua a cada falha ou breque... Produzido o equívoco, Chico-das-Toras sentia na nuca crioula o estalar dos dedos do pescador, que apressava-se a respirar o mar da ponta da areia esperando sua nau trazida pelas mãos e técnicas do servente, que era um bambu humano, mas dava um braço forte e presto por uma mixaria. Assim que a embarcação meteu a fuça num beijo ao mar, Dori mostrou-se grato ao Chico e pagou-lhe com algumas moedinhas de cobre, o que lhe fez torcer a face num enorme sorriso e correr à outra embarcação com suas toras e calos na mão.
Dorival deu uma última leve empurradinha pela água e subiu a bombordo em seu humilde barquinho de metal, tarefa feita, tratou de ligar o motorzinho de 15 hp e entrar numa guerra cotidiana às ondas quase-revoltas daquela praia lírica, digna de uma canção ao luar... com as ondas derrotadas, Dori acelerou o barco até certa cômoda lonjura e lançou sua rede de emalhar aos ventos da distância, fazendo-a cair ao mar e deitar-se até certa profundidade, impedida de prosseguir sua rota devido às boias na ponta oposta do aparelho, Dori gostou da cena, acomodou-se melhor na base do barquinho e esperou seus capitais armarem-se na rede e ficarem impedidos de vida.

Pelos próximos 40 minutos, o pescador aguardou pacientemente acomodado em seu silêncio cavernoso, mister para uma pesca bem sucedida, puxando a rede de volta para Madalena logo em seguida, a rede piscosa estava pesada tamanha fartura que o mar proporcionava, os olhos de Dori brilharam como sempre, ele apanhou peixe por peixe e deu-lhes o baque derradeiro em suas cabeças, assassinando um por um cada peixinho que prendera-se nas malhas carnivoras, depois, adentrou os corpos em um baú próprio do barco, cheio de água marinha. Dorival continuou prosseguindo dessa forma, nessa sequência de atos até o sol dormir e o mar virar um imenso quadro negro, ele ligou o barco e voltou felicíssimo para casa, onde encontrou a mulher, Amélia, deitada com um febril que a incomodava desde o começo do dia, Dorival beijou-a, jantou a janta preparada pela carinhosa, tomou uma ducha, contou dos peixes por minutos tortuosos a Amélia e postou-se na cama, aguardando o novo sono precedido de um novo dia.

Maria do Mar - Parte 2

Erguido o sol, Dorival já estava pronto para a rotina diária novamente, deixou a mulher com sono e febre repousando na cama, preparou o próprio café que tomou com um pão francês um pouco rijo já, não se demorou muito a apanhar seus instrumentos e partir para o negrume marítimo... Com igual ansiedade chamou por Chico e esperou o serviço dele, com as mesmas ordens de velocidade e o mesmo estalar dos dedos no couro do garoto, após o barco no mar, pagou-lhe das mesmas moedinhas de cobre e acelerou seu barquinho pelas ondas até o núcleo de seu local piscoso e secreto, voltando ao anoitecer ansiando pela janta bem merecida, mas o que encontrou na volta não foi janta nem nada, pesquisou pela geladeira e pia por uma bóia sequer, mas não foi-lhe útil nenhuma procura, ficando de mãos abanando; perguntou a mulher do paradeiro da janta, ela dormia, dessa vez mais quente e profundamente, com uma febre que esquentava o ambiente, sensibilizando qualquer médico experiente em males cruéis, ele não se abateu, preparou a própria janta, deu um beijo na mulher e foi cuidar dos peixes que estavam repousando numa caixa cheia de gelo para serem enviados assim que possível à feira, permaneceu por cerca de uma hora organizando os peixes novos com os de ontem, dividia por tamanho e tipo até ficar tudo bonito visualmente, fechou a caixa e foi para a cama dormir.

Repetiu-se a mesma cena ao dia próximo e seguinte, Dori não lhe deu a atenção, a mulher, calada, consentia e sofria no seu mais dispendioso silêncio... A mesma faca que Dori usava para rasgar o pão no centro, cerrilhava mentalmente a carne que se putrefava de Amélia enquanto Dorival a ignorava numa ignorância não proposital, mas esquecida, Amélia sentia-se abandonada, o que lhe intensificou as febres e apressava mais que depressa sua corrosão interna e externa. Não mais clamava pelo marido que saía de manhã e voltava na noite ébria , não mais, dormia apenas caladamente ao som dos passos da morte...
Certa manhã, Dori seguiu sua rotina, preparou seu café torrado, bem forte – como lhe era de agrado – e apanhou seu pão vivido para rasgar-lhe a derme e afagá-lo com manteiga, ansioso para digerí-lo e rumar ao seu mar de ouro, seu assassino mar áureo, amava a mulher, decerto, mas Dori havia manifestado em si uma incomensurável ambição pelos peixes, como que num vício de jogatina, não se podia retirá-la de sua ânima, condenava-se agora a viver e morrer de pesca, respirar pesca e até criar brânquias, se possível! Dori mudou e, não mais o mesmo, esqueceu-se pouco a pouco do único ser que lhe tem amor por aquelas redondezas, nem Chico-das-toras, nem nenhum concorrente dos mares, o único ser que lhe amava jamais tivera guelras ou anzol, sua mulher, amável mulher aquela que acompanhou Dori por todos os seus devaneios e conquistas até aquele maldito dia em que resolvera pescar vidas, o mesmo homem que lhe dera a vida nos instantes de alegria perene, tirou-lhe com anzol e isca no momento em que resolveu mudar-se à beira-mar e viver para pescar.
Dorival saiu de casa com seus petrechos básicos e fechou a porta, esquecendo-se da bem amada ardente no leito, ele chamou por Chico-das-toras, pagou-lhe bem com uma rodela de bronze e migrou para o mar, no esquecimento total da vida, concentrando-se unicamente na pesca por vir.

Maria do Mar - Parte 3

O sol torrava a cuca do nosso amigo pescador enquanto sua rede era preparada para o lançamento, Dorival não se abateu pelo sol e continuou rijo no seu destino: pescar o máximo possível de grana!
Ele ia desamarrando a rede pouco a pouco até sua total liberdade, após o trabalho ele lançou-a ao mar e esperou... Foi-se a tarde toda novamente, Dori não cansava, não sentia o marasmo no ar, o clima monótono de cotidiano jamais apanhara Dorival dentro daquele barco, dentro de suas pretensões, era como se o serviço de lançar a rede e esperar silenciosamente fosse a tarefa mais gostosa que já vivera! Nada mais lhe passava na cabeça meio calva além do mormaço, contudo, de maneiras esporádicas ele deu a pensar na mulher que esquecera do outro lado do mar, abandonada, desprezada e que chorava em dor, de repente, esses pensamentos tornaram-se fixos e acasalaram-se com a mente de Dori causando-lhe um passar mal seguido de vómitos, o homem postou sua cabeça pra fora do barco e despejou suas secreções ao mar, dando-lhe um tom azul-esverdeado, logo após, ele sentou-se ao barco e olhou para o céu em busca de respostas, não encontrava nem ouvia nada! sentiu apenas sua rede dar um puxão com força, parecia um enorme mamífero do mar depredando seu instrumento de caça, o pescador, assustado, puxou o utensílio com força para si, algo se enroscara e tornara difícil puxá-lo, mas conforme ele foi retraindo o braço, foi ficando mais fácil a vinda da corda, e quando perto, com tremenda força de reserva, Dorival puxou a corda para cima no intuito de içar a rede para a pequena nau... Os olhos dele brilharam ao chegar esse momento, aspirava um enorme peixe capaz de render-lhe um bom quinhão de dinheiro, estava arrependido, queria ajudar a mulher a quem tanto amou a se recuperar. Conforme subia a corda de centímetro a centímetro, Dori apreciou, enganadamente, com seus olhos salgados a vinda de um dedo pálido, carregando uma pequena mão que carregava um braço num ombro e por fim os cabelos cãs postos defronte à face albina de Amélia, Dorival apanhou-a desesperado lançando-a ao interior do bote, encostando os ouvidos no peito dela esperando algum tum somente, mas o silêncio homicida foi mais forte e deixou Dori esperando a batida vital do coração da amada pelo resto do dia, e da noite, e do dia, e da noite, até seu coração amansar aos poucos e entrar em perfeita sincronia com o de Amélia, pondo fim ao assassino dos mares, pondo fim ao assassino das terras...




quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Velha no Box

A água escorria pelas trincheiras cãs da velha enquanto ela preenchia-se com glicerina perfumada, fazendo bolhas flutuantes pelo box. A mão enrugada esfregava com efeito de masssagem, sua fronte. A velha embrava-se com afinco do tempo em que já não era velha no box, seus dedos não eram freados pela tez repleta de sulcos e ela ainda tinha uma beleza pueril, digna de um conto de fadas ou uma valsa eterna pela madrugada clássica.
Era uma jovem! ah, e que jovem! O cheiro de febo refrescava a cuca da velha, que agora descia as mãos pelo pescoço, de olhos cerrados, e sentia as carícias de uma boca de homem beijando o perfume azedo que só o pescoço esbanjava, a boca transformava-se em nariz, que inalava a carne nova que a velha lembrava-se ter.
A água quente escorria por sobre seus seios que miravam o chão, na cabeça da velha, já não eram mais seios que fitavam o chão, eram seios como dantes, duros, orgulosos e rosados, que gotejavam leite para a pequena boca do rebento ou a do marido, sedento por um seio de mulher. A barriga de velha chacoalhava pendulada pelo corpo, ela sorria como uma bunda, com suas dobras sobrepujadas sobre as mesmas... Eram as dobras agora inexistentes para a velha, que acariciava com sabor sua cintura - e os olhos fechados - e, de súbito, sentiu uma mão tocar e massagear seu sexo, a mão do sexo, a mão masculina que bulinava a velha com fins de nocauteá-la, contudo, a mão não mais masculina era. A velha agora dobrava seus joelhos e sentia-se mais leve, seu corpo estremeceu-se todo, a palpitar de prazer, sua tez, seu pescoço, seus seios tristes, suas curvas e seu sexo saíram mais jovens do banho, porém, a velha saiu mais velha, pois sabia que o homem junto a sua mão masculina, não estavam mais esperando-a na cama após a ducha.

Justificativa

Minhas rimas são altas e ricas
Só, meus versos podres são
Só versos de poeta de amor são,
São fatos vividos por vidas aflitas!

E versos que grudam, jamais se vão
Aos mares do vácuo, que a sina evita
E evita também o peito do artista.

Pois são versos, poetas,
Infelizes na alegria,
Pois que essa não vivia
Na hora em qu'eu havia.

Máscara Branca

Ontem, todos morríamos gripados
Hoje, números somos, apenas
Números crescentes, veiculados
Números de planilha, em tomos vidrados.

A gripe hoje mata registros
Com suas habilidades debilitantes
E mata além: ministros
Cavando verbas errantes!

Ontem, morríamos de AIDS
Hoje, a AIDS está morta!
Pois usamos apenas máscaras
Que nos salvam da gripe solta.

Eu Não Sei Ser Romântico

Pode a lua, cabisbaixa, desatar seu nó da terra
E sumir o céu da noite numa ardente depressão!
Quando fores, minha amada, para o véu da perdição,
Quando fores alma alada, sono eterno num caixão.

E as estrelas, tão acesas, que então destacarão,
Não serão sequer princesas, se eu tiver recordação
Dos seus olhos, adorada, ao briharem meio ao mar
De seus olhos, oceanos, numa paz de me afogar.

És amada verdadeira que meu corpo em ti cativa,
És declarada padroeira de meu canto e coração,
Pois não é somente entrada de minh'alma por ti viva
És refúgio de beleza do universo em expansão!

domingo, 2 de agosto de 2009

A Esquina do Breu


Seus olhos miravam o infinito vazio
Ante a fumaça volátil pairante.
Eram olhos sanguinários, desesperados,
Discordantes da mente, reacionários!
Por força maior, donos de seu bestiário.

O cérebro decadente sentado na fumaça
Não mais erguia pontes como d’antes...
A máquina se entrevava pelas ligas do tempo
E, não mais atento, estava isento
De suar a horas preocupantes.

Pobres mãos de drogas carburantes!
Do homem, não mais são o avante,
São fortes armas de auto-morte,
São as balas desejadas na agulha,
São o fel e os papéis de deporte.

Tragava com força a boca a peçonha
Chupava e soprava a bruma vil
Aos olhos azedos da pessoa à toa...
E a boca sem dentes, chorava a morte
Causada (e tanto) por quem mais serviu...

Seus olhos miravam o infinito vazio
Ante a fumaça volátil pairante.
O homem na esquina do breu, de antes
Secava-se só, sozinho queimando
A vida, o réu, matando o errante.

sábado, 4 de julho de 2009

A ida Aparecida.

Ave Maria! Ave Maria! Todos oravam!
Orai, irmãos, orai as rugas da amada!
Bendita sois vós entre as mulheres...
Diziam compadecidas, o sal secava peles.
Orai aos olhos cerrados, pois fitavam o nada...

Seu corpo repousava no inesperado,
Inerte, horizontalizado, era um corpo
Que jamais abraçaria o chão, com seus
Azulejos gelados, o corpo não mais teria dia,
Um corpo que não mais urraria brados.

A face velada competia com as rosas
A beleza refinada! Ave Maria, mãe de Deus...
Àquele momento, todos choravam e oravam
A sua graça vivida, Rogai por nós: pecadores...
Não era um corpo, era uma graça fenecida.

Agora e na hora de nossa morte...
Amém, Cida.

sábado, 27 de junho de 2009

O Cão

Ai, que dó, ai ai, que dó
Foi que vi o pobre animal.
Revirando lixo, imitando bicho
Nas ruas amargas da capital.

Precisava de ajuda, estava só o pó
E tão só, que era - sim - de dar dó.
Não era mau. Era acuado, judiado,
O coração de dar nó e o corpo abafado.

Apanhei-no com cautela, tão lindo
Tão fofo e traquinas, dei-lhe banho,
Casa e comida; e na porta ladrava
Quando notava a minha saída.

Tão lindo era o cão que retirei
da perdição que nem lembrei-me
do dono revirando o lixo com a mão.
Era o dono que morria e o cão que
----------------------------[ficou são].