Com uma tora à frente da outra, foi-se, pouco a pouco, escorregando qual manteiga a embarcação de Dorival, que gritava feito louco clamando cuidado com sua preciosa Madalena, a embarcação de pesca abençoada da Praia de Iemanjá. Dori, como era conhecido, orgulhava-se de antemão de sua provável pesca farta num irradio contente de seus dentes enquanto observava o trabalho do carregador, que ia levando leves sopapos esporádicos na cabeça nua a cada falha ou breque... Produzido o equívoco, Chico-das-Toras sentia na nuca crioula o estalar dos dedos do pescador, que apressava-se a respirar o mar da ponta da areia esperando sua nau trazida pelas mãos e técnicas do servente, que era um bambu humano, mas dava um braço forte e presto por uma mixaria. Assim que a embarcação meteu a fuça num beijo ao mar, Dori mostrou-se grato ao Chico e pagou-lhe com algumas moedinhas de cobre, o que lhe fez torcer a face num enorme sorriso e correr à outra embarcação com suas toras e calos na mão.
Dorival deu uma última leve empurradinha pela água e subiu a bombordo em seu humilde barquinho de metal, tarefa feita, tratou de ligar o motorzinho de 15 hp e entrar numa guerra cotidiana às ondas quase-revoltas daquela praia lírica, digna de uma canção ao luar... com as ondas derrotadas, Dori acelerou o barco até certa cômoda lonjura e lançou sua rede de emalhar aos ventos da distância, fazendo-a cair ao mar e deitar-se até certa profundidade, impedida de prosseguir sua rota devido às boias na ponta oposta do aparelho, Dori gostou da cena, acomodou-se melhor na base do barquinho e esperou seus capitais armarem-se na rede e ficarem impedidos de vida.
Pelos próximos 40 minutos, o pescador aguardou pacientemente acomodado em seu silêncio cavernoso, mister para uma pesca bem sucedida, puxando a rede de volta para Madalena logo em seguida, a rede piscosa estava pesada tamanha fartura que o mar proporcionava, os olhos de Dori brilharam como sempre, ele apanhou peixe por peixe e deu-lhes o baque derradeiro em suas cabeças, assassinando um por um cada peixinho que prendera-se nas malhas carnivoras, depois, adentrou os corpos em um baú próprio do barco, cheio de água marinha. Dorival continuou prosseguindo dessa forma, nessa sequência de atos até o sol dormir e o mar virar um imenso quadro negro, ele ligou o barco e voltou felicíssimo para casa, onde encontrou a mulher, Amélia, deitada com um febril que a incomodava desde o começo do dia, Dorival beijou-a, jantou a janta preparada pela carinhosa, tomou uma ducha, contou dos peixes por minutos tortuosos a Amélia e postou-se na cama, aguardando o novo sono precedido de um novo dia.
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