Sete anos, 4 meses e 11 dias após a virada.
Acordou cedo o menino de olhos cansados e redondos, aprontou-se para o dia, vestiu sua melhor camiseta e bermuda com a incerteza de uma nova trilha para o cotidiano. Arrumava-se, penteava-se, perfumava-se não sabia por que, nem ao certo por quem. Duvidava de si mesmo e dos fatos.
Não se achava só um menino, postava-se como “aborrecente” à época, mas vivia desencontrado, sem guia ou rumo certo, encostado em um muro de ilusões pichado e urinado. Suas veias destinatárias bifrucavam-se por sete, oito, nove, 20 vezes com a mesma pressa da incerteza de encontro ao vazio.
Ir à escola em situações semelhantes, lhe era conveniente, entretanto, pelo fato de ter por marcado um compromisso à tarde com aquela que lhe prendia de maneira peculiar os pensamentos há tão pouco tempo, não prestou atenção na aula (como não o fazia há tempos). Desconcentrava-se e planava em sua fértil imaginação de moleque no mais eloqüente dos sonhos que jamais ousara ter, um cheiro novo no ar o remetia a antigos momentos da alma, não possuía mais aquele fardo carrancudo e frio de ambicioso estudante solitário, pois sabia que havia coisas mais importantes que boa qualificação no mercado, só não recordava o que, nem como sentir, mas via passar em seus olhos o transtorno e a angústia aliados à felicidade com anseio.
Rodava sentado naquela aula infausta, tributava em seu fichário desenhos, versos e melancolias ao ócio, na escola (aquele grande centro de sabedoria e memorização) já era comum aquela subversividade tachada e pré-programada, pois, poucos sabem sua real intenção. Ele não admitia essa repressão impressa no quadro negro, muito menos a pressão imposta no quadro letivo, alguma coisa o desconcertava daquela linha de pensamentos tênue da obediência e submissão.
Soou o alarme ruidoso e indelicado, expulsando suas máquinas de dinheiro das salas de aula. Era a hora, fez mais algumas coisas, conversou com mais algumas pessoas de livros abraçados ao corpo, perguntou por sua amiga, que o encaminharia até o encontro, e após despedidas e risadas, partiu.
Aqueles momentos no metrô angustiavam cada vez mais o menino, que ansioso e estranhamente tenso olhava para a cara daquelas todas pessoas sentadas nas cadeiras cansadamente públicas, olhavam todas para o além... Um olhar frio e banhado de fossa, impetuoso e contraditório. Um homem careca de cabeça lustrada chamou-lhe a atenção, fitou sua face e seus movimentos, reparou em como estava vestido, eram trapos velhos, uma camiseta de eleição antiga, suas mangas estavam esgarçadas e com alguns fios pingentes, de cor branca e amassada, nela tinha uma estampa escrita “PT” ou algo do tipo, são tantos partidos... Sua calça era uma calça de guerra, aquelas de exército que nota-se à distância, caracterizada pela cor verde-musgo sobrepujada pelas cores verde claro e a ausência de cor em formatos de células. Percebia-se o estado paupérrimo do homem de meia idade, ele conversava com mais duas senhoras que vestiam grandes saias (atingindo a canela), estas duas velhinhas de óculos de grau, enquanto conversavam com ele, fazia movimentos apontando e massageando a coluna, como quem reclama, massagearam os pés, as pernas, a nuca e o joelho fazendo cara de dor, mas não perceberam-se levantando da cadeira de plástico e saindo normalmente porta afora do vagão.
O menino cansa e vê o público em geral, donos de sua atenção e espaço, aflito, aquele garoto sente seu ar ser esgotado por cada segundo do trilho, a estação não chegava nunca e parecia que quanto mais andava, mais se distanciava, era o verdadeiro caminho para a distância. O ruído das portas fechando o incomodava bastante, assim como os transeuntes que adentravam o vagão, as mesmas vidas e caras vazias sugando cada vez mais seu precioso ar de respiro, não sabia se agüentaria por muito mais tempo, via o vagão acendendo e apagando, ficando tudo escuro e tornado a enxergar limpidamente o que não aceitava ver. Tornou a apagar, e dessa vez foi súbito. Lembra-se da campainha na porta, por sorte nada acontecera, o moleque estava bem, e são, saiu pela porta do vagão pisando novamente no chão firme e respirou profundamente um suspiro aliviado.
O menino aguardava na catraca, no ponto marcado, não sabia se era a toa, não sabia nada, se ela vinha ou não, se preferia os seus outros compromissos do cotidiano, se desmarcara de última hora e não pôde avisá-lo, se vinha sozinha. Sabia apenas que estava lá e esperava. Ela veio e após um beijo de bochechas, partiram e foram deambular por aí.
Aquela menina tinha algo de especial, ele sentira isso no seu primeiro olhar do dia, era um olhar que difere das outras, não tinha motivo, apenas o espantava de admiração, cruzaram caminhos na vida e não sabiam. Conversavam e conversavam, coravam em rubras expressões faciais, felizes e incompletos, apenas aguardando a hora incerta.
Deram as mãos inexperientes naquele tato, era gostoso ter as mãos cruzadas, ambos sentiam aquela roçada e admiravam senti-la.
Rumaram ao metrô, estranhamente pararam de conversar oralmente e o fizeram com os olhos, fitando e lambendo os cílios, a íris, as cores brancas e serenas que só um olho sabe nos trazer.
O garoto nervoso e ansioso, pressionou a mão da menina com força, encontrando-a bem de perto com os olhos e os abraços, arrebatou sua cintura e sentiu o calor da respiração feminina cruzando sua boca, seu queixo, sua nuca, não sentia mais nada, não pensava mais em nada, apenas a sensibilidade da pele em sua face, lamberam seus olhares novamente e apertaram-se, mais ansioso e sereno o garoto se sentia, não havia coisa mais certo, fecharam os olhos e se tocaram levemente com os lábios. Não se cessariam por um longo tempo, pois não beijara apenas sua boca, beijara sua alma, eternamente.
Um comentário:
ngm comenta...dessa história linda...da qual tenho orgulho de ser uam personagem...ngm realmente se importa com o que eh belo e eterno...mas nw tem problema...doi amantes, pra sempre se recordarão de fatos importantes...s2...
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